Queride você, como está?
Estou bem e tenho me sentido estranhamente produtivo esses dias. Ontem mesmo me candidatei a umas 5 vagas no LinkedIn, comecei a catalogar no meu blog resenhas e entrevistas literárias que fiz (vai servir de portfólio, quero voltar a escrever para revistas e jornais) e escrevi meu primeiro post para assinantes pagantes do Substack!
Pode ser a Ritalina que esteja me fazendo procrastinar menos — recentemente fui no chá revelação e… era TDAH! O primeiro tarja preta a gente nunca esquece.
Por falar em procrastinação, todo ano empurro com a barriga a leitura de um dos projetos literários que mais aprecio: o Tournament of Books. Nele, 18 livros são divididos em chaves e críticos literários resenham 2 obras em cada partida, cujo resultado é um vencedor que enfrentará o vencedor de outra partida da rodada anterior. O mata-mata vai até a semifinal, quando ressurgem 2 livros zumbis (os mais votados pelos leitores antes do começo do torneio), que enfrentam os quase-finalistas. Na final, todos os juízes votam para escolher o melhor do ano.
Amo cada detalhe desse prêmio — creio que podemos chamar o ToB assim. Em 2011, Liberdade, de Jonathan Franzen, enfrentou A visita cruel do tempo, de Jennifer Egan, na semifinal e levou a melhor. Só que depois Egan voltou como zumbi, desbancou o outro finalista em potencial (A peculiar tristeza guardada num bolo de limão, de Aimee Bender; bem ruinzinho e fora de catálogo em português) e teve a merecida revanche contra Franzen, vencendo com o acirrado placar de 9x8. Em 2020, já com 16 vencedores do ToB, eles fizeram o que os fãs mais pediam: um embate all winners que mexeu com o coração dos seus torcedores mais fanáticos.
Pois bem: Gigio (também conhecido como Membro Fundador d’O Leitor Comum) me avisou que o ToB 2024 começava na última quarta. Não perdi tempo. Quarta, quinta e sexta, não deu outra: li assim que publicaram as resenhas das partidas. E tive uma grata surpresa nas duas primeiras.
Rufi Thorpe, escritora cujo romance The Knockout Queen foi finalista do Pen/Faulkner Award, ficou com a ingrata missão da rodada “esquenta”: precisou escolher, não entre dois mas entre três (The Bee Sting, de Paul Murray; The Auburn Conference, de Tom Piazza; e The Librarianist, de Patrick deWitt) para ser o 16º competidor do torneio, entrando direto na penúltima partida da primeira rodada.
Na hora de avaliar os candidatos, Thorpe enumerou critérios que levou em consideração: tema, personagens, trama, capacidade de viciar, estranheza, racionalidade e… gay! Explica:
Gay: I just like gay things better, I don’t stand behind it, I just happen to like gay things more.
No seu julgamento, ela listou esses critérios e atribuiu nota a cada um deles, com os devidos comentários. Vejamos como os livros se saíram no critério mais importante para o leitor comum:
Gay: This book is wonderfully gay! Hot gay sex, disturbing gay sex, inchoate yearning, this book has it all! Score: 100 [The Bee Sting]
Gay: A little bit gay! But it felt broad at times, and I was like, wait, are we making fun of Whitman for being gay? Score: 69 [The Auburn Conference]
Gay: I forget if anyone was gay, but I don’t think so. Score: 0 [The Librarianist]
Eu já estava feliz em incluir o livro de Murray na minha lista de desejos, mas o ToB tinha um partida ainda mais interessante para o viadinho que vos escreve. Preciso transcrever aqui os 3 primeiros parágrafos do ensaio de Leah Schnelbach, autore não binárie, para a primeira partida de verdade do torneio:
A billion years ago, when I was about 14, I took a bus to the Good Library. Unlike my Actual Local Library (three small rooms and a furious, elderly librarian who removed sex-ed books from the shelves as fast as they went up) or the Next Closest Library (dark and weird with nothing more recent than the 1970s), the Good Library was three stories tall, with large plate-glass windows, squashy chairs, a labyrinth of shelves, and thousands upon thousands of books.
It was in the Good Library that I found a battered copy of Martin Duberman’s About Time, and it was in About Time that I started learning queer history. Or should I say, what of queer history could be patchworked back together by the people who survived the 20th century. It was a revelatory day that’s stayed with me as one of the great reading experiences of my life.
Maybe this is a weird opening for this essay, but I want to illustrate why I felt such overwhelming gratitude for the two books I got to read for this year’s Tournament: Boys Weekend by Mattie Lubchansky, and Blackouts by Justin Torres. I’ll start by saying that reading these two books brought me a lot of joy.
Duas obras queer logo no primeiro mata-mata do ToB! Uma hq de horror futurista com caçada de clones em águas internacionais versus um romance com poemas visuais sobre o apagamento e patologização da história queer. Mais duas leituras obrigatórias para mim, pouco importando o resultado da partida, concordando com Schnelbach: “As I said up at the top, read both!”.
E pensar que, alguns anos atrás, tive uma fase em que rejeitava recomendações de literatura gay que alguém tinha visto em algum lugar que era gay e achou que pudesse me interessar por ser gay — numa falsa equivalência a quando alguém quer me apresentar um amigo que, por ser gay, deve ter muito em comum comigo1. Eu, como o gayzinho complexo que sou, não gostava de ser… limitado!
Corta para 2024, um leitor comum bem mais confortável dentro da própria pele. Alguém que se orgulha de 10 anos atrás ter escrito um artigo intitulado “Breve Queerlist da Literatura Brasileira Contemporânea” e cujas leituras desde 2022 têm sido crescentemente, ahn, gays! Uma pessoa que começou 2023 cheia de esperança, mas em pleno 2024 se angustia com as notícias do país.
O Arthur de hoje diz: manda mais queer que tá pouco!
Rolê preferido da semana: delicinha o show de Clarice Falcão na Casa Natura Musical. Meu destaque vai pra quando ela volta pro bis com bolsa e casaquinho a tiracolo, sem saber como expulsar a gente da plateia: era só um prelúdio para “Como é que vou dizer que acabou?”! Nas próximas vezes, vou chegar cedo pra pegar um lugar melhor. Estava acostumado com os shows para apenas 7 fãs e me ferrei: muita gente alta na minha frente!
Estou assistindo: Avatar: The Last Airbender (chegamos na metade da temporada), Mr. Robot (quero ver enquanto não finda a assinatura anual da Globoplay) e, depois de muita indecisão sobre qual seriado da AppleTv+ eu atacava primeiro, The Morning Show (o boy não animou nenhum dos scifi bons que tem nesse streaming, fui no que eu já tinha visto 2 temporadas).
Abandonei: Novela (juro que tentamos gostar) e True Blood (essa semana não vi nenhum episódio, Alex dormiu no meu colo enquanto eu via Mr. Robot, então conta como abandono).
Vi também: O menino e a garça (dormimos no cinema, vamos rever quando sair no streaming e tiver como ver dublado), American Fiction (já quero rever anotando todas as provocações que o filme me fez, pois quero escrever a respeito), Lamb (Noomi Rapace estrela Constelação e quase dei play nessa série scifi quando descobri que também era ela nesse pôster perturbador; filme excelente e estranhíssimo) e Hair (amei essa bagunça!).
Li: P. minha adolescência trans, de Fumettibrutti.
Abandonei: Capa preta, de Lourenço Mutarelli; Beyond the story: uma história dos 10 anos de BTS, de Myeongseok Kang (tradução de Luara França).
Lendo: Mortos de amor, de Junji Ito (tradução de Drik Sada); A biblioteca da meia-noite, de Matt Haig (tradução de Adriana Fidalgo); Cidade das lápides, de Junji Ito (tradução de Drik Sada).
Os primeiros na vitrola: Fantasia, de Gal Costa; Destino de aventureiro, de Ney Matogrosso2.
Hoje também ouvimos: Em nome da estrela, de Xênia França; Inútil paisagem — as maiores composições de Antonio Carlos Jobim, de Eumir Deodato; Amadeus — Original Soundtrack Recording, tocada pela Academy Of St. Martin-In-the-Fields sob a batuta de Neville Marriner; Bedtime Stories, de Madonna; Insone e só, de Cão Baleia; GUTS, de Olivia Rodrigo; Escuro brilhante: último dia no orfanato da Tia Guga, de Rico Dalasam; Além do lá, de Aláfia; Xenia, de Xênia França; A Via-Láctea, de Lô Borges; Me chama de gato que eu sou sua, de Ana Frango Elétrico.
Recomendo: gostei muito da exposição “Gran Fury: arte não é o bastante”, que está em cartaz no MASP. Gran Fury era o título de um coletivo de artistas responsável por muitas campanhas gráficas (e intervenções públicas) em torno das questões relacionadas à crise do hiv/AIDS que a gente vê nas mãos do ACT UP em protestos e ações de desobediência civil. Se você está em São Paulo, aproveita que terça (e na primeira quinta do mês) é de graça!
Estou feliz demais que A Hortaliça chegou ao Substack! Estava com fome e saudade dela. Não sei definir, apenas devorar no horário recomendado: “para ser lido na maldita hora da noite em que tudo é engraçado – logo após a hora em que nada faz sentido e antes daquela em que tudo faz sentido”.
Vanessa Barbara, uma das minhas escritoras favoritas, inspirou mais que minha primeira tatuagem: foi ela a primeira pessoa que vi catalogar todos os seus escritos nos mais diversos veículos e disponibilizar para quem está atrás da grade do paywall. Acesso a informação (e trocadilhos tolos e conduta absurda), a gente vê por aqui!
God is coming. Look busy! Read Vanessa Barbara!
Eu ainda estava com o show de Clarice na cabeça quando chegou a nova sou meio vagabunda, mas sou boa pessoa. Li mais uma newsletter delicinha de Taize ao som de “Quero acreditar” e recomendo que você faça o mesmo: “Cadê meu Buda, Bahá'u'lláh, Nossa Senhora, os orixás ou Zaratustra ou Ganesha ou Maomé ou eu sei lá.” Não falo mais porque o assunto rende, mas aceito uma breja ou um café pessoalmente.
Diana voltou! E chegou chegando com as melhores leituras de 2023. Estou com ela no time de quem acha injusto fazer tais listas antes do ano acabar, como se qualquer leitura em curso não tivesse chance de figurar nelas. Estou feliz porque li 4 dos 11 que ela citou!
Essa é a primeira carta que o Substack me diz que ficou longa demais. Você me diz se me excedi?
Um cheiro gostoso do amigo que te adora,
Arthur Tertuliano
Um aparte precisa ser feito: isso nunca aconteceu comigo. Mas faz parte da experiência de ser humano: ficar na defensiva por conta de uma situação hipotética, supostamente recorrente e prevalente, só para se sentir parte da comunidade. Mais ou menos como no Twitter a gente inventa uma pessoa e passa a acreditar nela apenas para poder se revoltar contra ela.
Alex botou Gal pra tocar e achei que combinava com a carta que ficou sem vitrola. Pedi então outro LP, um que combinasse com a carta de hoje, e nos decidimos pelo Ney. Essa informação será importante futuramente.
Li essa newsletter nesse domingo de manhã e preciso registrar que o Substack está muito equivocado! Passou voando! Amando todas as indicações, Tuca <3
"Essa informação será importante futuramente." Bônus pelo mistério, bônus pela nota de rodapé.