O primeiro na vitrola funciona assim: o disco escolhido foi o primeiro a tocar no dia que escrevi uma carta, seguindo a ordem delas — o de hoje saiu diretamente de “Escritor? Escritor e ponto.”.
Na primeira parte da coluna, escrevo mais objetivamente sobre alguns tópicos: como conheci o artista, características físicas do disco, o que gosto nele, onde o adquiri, músicas favoritas e alguma curiosidade. Na segunda parte, suspendemos a descrença e a distância para nos encontrarmos em minha casa, tomarmos um drink e ouvirmos o álbum — ah, o poder das palavras...
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Registros visuais nessa edição: AlexXx, também conhecido como mozão.
Boa leitura a todes!
Live and More, de Donna Summer
Como a conheci: Creio que a primeira vez que ouvi falar em Donna Summer foi assistindo a RuPaul’s Drag Race. E de lá veio essa coisa de confundir as citações da apresentadora à Diana Ross e a ela.
Características físicas: A capa é gatefold (ou seja, daquelas que abrem como uma revista e têm uma arte interna), o que permite que discos fiquem separadinhos — sim, esse é o primeiro disco duplo n’o primeiro na vitrola! Na capa, na contracapa e dentro, há fotos da cantora contra um fundo escuro, que ajuda a destacar seus modelitos — mais sobre eles no decorrer da coluna. O disco é preto opaco e deve pesar uns 140g ou menos (mesmo levinho, é de excelente qualidade, de uma época em que o peso não era essencial para o disco ser bom mesmo).
Esse é o quinto álbum da artista que adquirimos, de quinze no total (no momento em que escrevo essa coluna).
O que gosto no álbum: A capa é icônica, especialmente com a fonte usada para o nome da artista. Gosto muito das fotos escolhidas para capa e contracapa. Não posso negar que o setlist desse concerto estava incrível mesmo e que gosto demais da versão menos “limpa” das músicas no vinil, mais condizente com algo gravado ao vivo (no Spotify ficou bem “limpinho”).
Onde adquirimos: Esse compramos em um leilão de vinis.
Favoritas: “Once Upon a Time” de longe é a que mais gosto. Enche meu coração de alegria e esperança. Mas gosto demais de todas do lado C do álbum, todas clássicas e classudas: “Try Me, I Know We Can Make It”, “Love to Love You Baby”, “I Feel Love” e “Last Dance”.
Curiosidade: Durante muito tempo não apenas confundia ela com Diana Rossa, como também não conseguia falar Donna Summer, apenas Donna Summers. AlexXx precisou me corrigir muito até eu acertar.
Um passeio pelo disco
Você chegou em minha famosa casa rosa e a bebida que recebeu de mim foi um drink que apelidamos Balinha de coca-cola. “E não é que tem mesmo o gostinho daquelas balinhas?”, você me pergunta e eu respondo: “Bem isso, mas com álcool!” e já te passo a receita: ela é praticamente igual à do Fire on Coke, só que sem o limão siciliano. Lá vou eu ajeitar a vitrola e, ao pôr a agulha no disco, aplausos começam, antecipando as notas de piano que virão logo depois.
01_Once Upon A Time: De cara, acho importante relembrar aquilo que notamos nas músicas de Gloria Gaynor, algo que um amigo já tinha me apontado durante a pandemia: disco music tem muito de dance the pain away, de rebolar pra não chorar. As batidas das canções dão AQUELA vontade de dançar, porém suas letras não costumam poupar na tristeza1. Isso é algo que veremos bastante em Live and More, vou tentar não me repetir tanto.
O álbum começa com uma faixa de “Era uma vez”, narrando os perigos de ser uma sonhadora e fugir da realidade. Um toque desta surge quando a cantora troca o “Once upon a time” por “Once upon a dream”, mas aí já viu: amargura a envolverá no fim. O bom é que dá pra deixar o sofrimento pra protagonista dessa narrativa e se deixar levar pela batida: começar o dia com esse na vitrola é dar uma baita empurrão no desânimo. Bom dia!
Once upon a dream
A man will come
And give her everything
She wants and loves
But in the morning, she'll awake
To face the room around her
It's just another lonely day
And bitterness surrounds her
Bitterness surrounds her
02_Fairy Tale High: Logo após um conto moral, seguimos no tema, ficando “chapadinhes de contos de fadas”.
Vejo essa faixa representando aqueles momentos em que você precisa extravasar a tensão sexual de alguma forma, horas em que se troca o stoplight pelo pedido “seja bonzinho comigo”, na espera de uma resposta positiva.
When you were young, you were full of those dreams
Then you grew older, they all faded, it seems
But all of that glitter can turn into gold
03_Faster And Faster to Nowhere: Esse é o momento Enchanted: a princesa foi jogada onde não há possibilidade de finais felizes, o mundo do capitalismo tardio. É o mundo da correria — muito bem expressa no título —, da violência, da cidade apertando você, querendo sufocar. Gosto especialmente dos gritinhos de terror de Donna no meio da canção e das rimas internas dos versos a seguir.
It's a nightmare, daymare, it's a
badmare no matter which way mare.
04_Spring Affair: Ainda não falei de como as transições são especiais, né? Uma música engata na outra, ela não para um segundinho sequer. São muitos os hits favoritos de quem esteve nesse concerto histórico, ela não pode parar: “Thank you! Good evening! Why don’t you follow me in my MAGICAL mystical journey through time and love? It’s what you’ve been waiting for!”.
Nessa canção, mais tranquilinha, quase consigo vê-la beber uma água, enxugar o rosto, aproveitando o apoio dos backing vocals. A letra fala de um casinho de primavera: a cidade tá apertando, mas você sentiu outra coisa tocando em você: é ele, justo quem você queria!
Ooh, something's coming over me
Ooh, I think it's got a hold on me
You got me (You got me)
Ooh, just the man I hoped you'd be
Ooh, just the man to set me free
You got me (You got me)
05_Rumour Has It: Adoro música de fofoca. Amo todas as formas de mimetizar cochichos e rumores numa canção — a conclusão desta até parece um telefone-sem-fio de buchichos.
Uma coisa que percebi é que a base (funky? ritmo? batida?) da canção parece muito com a de “Filthy/Gorgeous”, da banda Scissor Sisters, o que deu aquele gostinho de reconhecimento que me deixa mais à vontade com uma música de primeira. Divertida essa.
Rumour has it
You never know just what you've won't until you've lost
And the object of the game is not to pay the cost
Anyone can play the game, there are no rules
And you never know just what you've won until you lose
06_I Love You: Para marcar o final do lado A do disco e o arco narrativo do conto de fadas, uma canção que descreve o momento mágico em que os amados falam um para o outro aquelas três palavrinhas mágicas.
Nada menos que apoteótico. Dá pra sentir as pessoas recuperando o fôlego apenas para poderem aplaudir forte a cantora. Parece um bom momento para um intervalo para mudança de figurino, inclusive.
So together they will always be
Until the stars fall from the sky
So if you find someone you love you must never let them go
Hold them tight with all your might
And say three little words
You say "I love you"
Passar para o lado B deste álbum não é coisa de virar o disco. Como os lados B e C estão no disco 2, é necessário trocar o disco.
07_Only One Man: Notas de piano e uma conversa intimista: clássico. Parece uma continuação do “felizes para sempre” monogâmico (afinal, não é fácil achar um homem que se entrega e “can handle all this love”), mas, na hora de apontar quem ele é, percebemos que ela apontou para vários gatinhos nas primeiras fileiras.
And that's you
And cutie pie, you and you, ooh!
(You and you and you) And you
08_I Remember Yesterday: A brincadeira dessa música é boa. Ela fala de como ainda lembra da primeira noite de um romance (“I remember that first night”), dá a entender como ele é mágico, desses que duram a vida inteira — quando introduz a música, ela fala de como quer “to take some old songs and some new songs, some borrowed and some blue songs”, o que dá a entender casamento — e conclui a canção com um breve tapa de realidade: o título da canção. Quem nunca?
I saw your lovelight through the candle's glow
Champagne was flowing, and so I let myself go
And when the night was over, we both looked around the room
Remember darling, chairs on the table, and only me and you
09_Love’s Unkind: Donna anuncia que essa tem vibe anos 1950/1960, época de escola dos presentes no show. Parece uma música que ficou de fora de Grease, fala de amar alguém que não tem nota nos corredores do colégio: o amor não é nadinha gentil.
He's got a crush on my best friend
But she don't care
'Cause she loves someone else
I'm standing on the outside
Not the inside where I wanna be
Love's unkind
'Cause he's not mine
10_My Man Medley: The Man I Love/I Got It Bad and It Ain’t Good/Some Of These Days: O primeiro medley do disco é sobre: homens. Sobre suspirar por eles, sobre um deles vir e confirmar nosso dedo podre, até que a gente se liberta do traste, que com certeza sentirá nossa falta.
Algo que gosto deveras está logo no começo desse seu tour de force: “This is something I thing most of you ladies will identify with… And maybe some of you men too”. É isso: que triste sina é gostar de macho.
Someday he'll come along
The man I love
*
My poor heart is sentimental, it's not made of wood
I got it bad and that ain't good
*
And if I leave you
You know it's gonna grieve you
You're gonna miss your sweet lovin' Donna
Some of these days
11_The Way We Were: Rememorar a vida não é tarefa fácil: as coisas boas e ruins que nos levaram até onde estamos. Gosto de músicas desse gênero e minha favorita ainda é “Capitão Gancho”, de Clarice Falcão. Se você pudesse reescrever sua história, você faria tudo igual ou arriscaria algo diferente?
Memories
May be beautiful and yet
What's too painful to remember
We simply choose to forget
And so it's the laughter
We will remember
Whenever we remember
The way we were
12_Mimi’s Song: O fim do lado B é com uma canção fofa (e dolorida) sobre como ela sofre por estar sempre tão longe da filha, Mimi, que sofre pela ausência da mãe. Linda, linda. Tem a participação de Mimi no final, falando “good night”.
I got a little letter
And I read it on the plane
And in my heart I felt a funny kind of pain
I wish that I could be there
To touch your face again
E vamos de lado C, ainda no disco 2. Aqui só tem SUCESSO!
13_Try Me, I Know We Can Make It: Voltamos às agitadinhas! Essa é uma das minhas favoritas: amo os agudos dos versos abaixo, amo as camadas e variações sobre o tema de seus 4 minutos e meio. Ela parece um medley, 5 músicas em 1 faixa, mas é uma canção só.
I just wanna feel your body close to mine
I just wanna share my lovin', baby, all the time
All the time
14_Love To Love You Baby: Essa é uma das mais famosas, basicamente uma extensa repetição do título. A versão do show é preciosa, com gemidos deliciosos que tem tudo para ser uma das mais mais em playlists para aquele momento a dois. Ou a 3, a 4, a 5. Ou mesmo sozinhe.
When you're laying so close to me
There's no place I'd rather you be
Than with me
15_I Feel Love: Essa eu já tinha ouvido diversas vezes nas baladas, tentando me encaixar entre as gays paulistanas da minha idade. Todas sentindo demais a música, enquanto eu não tinha conexão alguma com ela — só queria que tocasse mais uma da Lady Gaga, Rihanna ou mesmo Madonna. Foi com o Renaissance, de Beyoncé, que pela primeira vez me senti próximo a essa canção: samples dela são usados em “Summer Renaissance”, faixa que conclui esse projeto da cantora.
Porém não fiquei por aí. Desde que Alex decidiu completar a coleção de vinis da Donna (estamos quase lá!), passei a ouvir bem mais “I Feel Love” e a senti-la mais profundamente. A versão dela neste concerto combina demais com a proposta da faixa anterior: tem tudo a ver com aqueles momentos pós orgasmo em que nos sentimos profundamente amados e amáveis.
Gostoso demais!
Ooh, fallin' free, fallin' free
Fallin' free, fallin' free, fallin' free
Ooh, you and me, you and me
You and me, you and me, you and me
Ooh, I feel love, I feel love
I feel love, I feel love, I feel love
16_Last Dance: Desculpa ter usado “apoteótico” anteriormente, devia ter reservado pra essa. Uma música perfeitinha para terminar um show — nunca o “fim de festa” foi uma celebração tão animada.
Last dance
Last chance for love
Yes, it's my last chance
For romance tonight
Hora de trocar o disco para ouvir o lado D.
17_MacArthur Park Suite: MacArthur Park/One Of A Kind/Heavens Knows/MacArthur Park Reprise: Essa é a parte do “more” no título do álbum, uma gravação em estúdio. Não me pega tanto porque… bem, é difícil vir depois de “Last Dance”. Mas juro que fiquei intrigado pelos versos a seguir, pensando no que devem significar (principalmente porque acabei de colocar um bolo no forno).
Someone left the cake out in the rain
I don't think that I can take it
'Cause it took so long to bake it
And I'll never have that recipe again
Oh, no!
O disco acabou, mas o disco disco nunca acaba: o que você quer ouvir agora?
Conteúdo bônus: depois de tanto especular qual lookinho Donna usou em cada música, aqui podemos ver (ainda que parcamente) os de “Rumour Has It”, “Last Dance”, “I Remember Yesterday", “"Could It Be Magic” (que não está nestes discos, talvez ela só tenha cantado no show mesmo) e “I Love You” (minha pesquisa estava certa!).
Espero que tenha gostado!
Um beijo quente e até a próxima edição!
Trago aqui uma citação que podia repetir tranquilamente ao falar desse disco de Donna Summer: “O álbum é um disco disco: é dançante, dá vontade de girar sob os reflexos de globos de luz. Mas é prestando atenção na letra de Gaynor que notamos um coração calejado, que rodopiou a dor para longe dele e está atento para não ser maltratado novamente. Uma boa dica para se levar à pista de dança.”