Queride você, como está?
Fiquei felizinho em saber que Mc Tha leu minha carta anterior. Deu trabalho, por isso a demora, mas valeu a pena.
Na mesmíssima terça-feira em que enviei a carta, compareci a um evento com Diana1 no SESC Pinheiros: “Chá e Prosa – Ecologia e relações afetivas no livro A extinção das abelhas”, de Natalia Borges Polesso, com Mayara Barbosa, André Araújo e mediação de Ana Rüsche2. Eu estava deveras cansado e não tinha lido o livro, porém estava em boa companhia, acho chique prestigiar os eventos dos amigos e o rolê oferecia chá gelado de capim-santo com limão: placar 3x2, fiquei.
Fui de gaiato e tive uma experiência incrível. Evento literário bom pra mim é quando as pessoas que debatem o livro não se omitem de citar detalhes da trama que as comoveram, as provocaram a pensar em temas a serem abordados na conversa — em outras palavras, não têm medinho de dar spoiler. Saí do papo sabendo de muita coisa que ocorre no romance e instigado a lê-lo3.
Mas calma: não estou pronto para sair, não me entenda mal. Ainda estou lá, aliás. Polesso escreveu uma ficção científica — como já fizera a oito mãos em Corpos secos — e, na terça em que fiquei sabendo mais dela, eu não conseguia tirar da cabeça outra obra do gênero: O problema dos 3 corpos, seriado da Netflix inspirado no livro de Cixin Liu e maratonado em menos de uma semana. Apesar da promessa de andar com o moleskine comigo pra tudo que é canto4, falhei no dia e agora dependemos da minha memória.
Parece ter havido uma divisão do trabalho na mesa — aliás, aplaudo o trabalho de mediação de Ana Rüsche, que conduziu muito bem a conversa e trouxe insights excelentes para o papo — e André Araújo abraçou a “ecologia”, enquanto Mayara pegou para si as “relações afetivas” do título do evento. Ambos divos, ambos empolgados em conversar sobre o fim do mundo.
André falou sobre como algumas das visões distópicas de futuro já são uma realidade em algum lugar do mundo. Enquanto houve um tempo em que se pensava na Europa como onde se vislumbrava o progresso no futuro, este se deslocou para os países do sul global, na medida em que, ao invés de auspicioso, o futuro parece mais e mais ameaçador. Mayara dialogou com livros de bell hooks5 e Paul Preciado6 para pensar em novas formas de viver em comunidade e fugir do que costumamos esperar uns dos outros, uma vez que o viver e o se relacionar no piloto automático está justamente nos levando a outra realidade, uma que não dá mais tempo de evitar.
Posso soar repetitivo e novamente citar o finzinho de As cidades invisíveis, de Italo Calvino? Só troquei “inferno” por “fim do mundo:
O fim do mundo dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o fim do mundo no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o fim do mundo e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: tentar saber reconhecer quem e o que, no meio do fim do mundo, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço.
Não se funciona pra você, mas achei que fez sentido. Parece misturar o que os dois trouxeram ao debate: um fim do mundo que já aconteceu (a pesquisa do romance envolveu coisas que já saíram nos jornais), com as pessoas descobrindo formas de viver nele (como as personagens de Natalia).
Quando abriram o microfone para comentários, colocações e perguntas do público, uma mãe falou sobre um fim do seu mundo que ocorreu com a pandemia. Suponho que levou todo mundo a pensar nos seus fins do mundo, mas só posso falar por mim: pesou o rolê pensar nesses períodos de luto em que pensei que não tinha mais nada depois dali. E tinha tudo a ver com o que André e Mayara conversavam sobre o romance.
Depois do fim do mundo, no entanto, há esperança. Aquela mulher trouxe sua experiência para o debate porque sua vida agora tinha outro significado. E foi bonito vê-la compartilhar isso, pois também é essa a minha experiência.
Rolê preferido da semana: Vinhozinho em casa, amigos em casa (Bruno, Fellipe, Luan, Vitor), discos em casa, às vezes tudo junto. O drink ao escrever o primeiro na vitrola7 foi um chardonnay com uvas verdes congeladas — chiquérrimo.
Estou assistindo: X-Men ‘97 — cada episódio fica mais excelente; O problema dos 3 corpos — matei a temporada, gostei demais; Mr. Robot — já percebi que não dá pra assistir essa série se eu estiver com um tantinho de sono, devorei o resto da primeira temporada enquanto enrolava para escrever esta carta e gostei bastante do plot twist; Fortuna — vi dois episódios da nova temporada e continua gostosinha como a anterior.
Lido: Eu sou o monstro que vos fala: Relatório para um academia de psicanalistas, de Paul B. Preciado (tradução de Carla Rodrigues). Mais um livro incrível, quero ler tudo dele ainda este ano.
Lendo: O presidente pornô, de Bruna Kalil Othero. Li metade do livro em praticamente uma sentada (ui!), estou gostando dessa viagem. “É o Plasil do Plasil!”, como gritou o amigo que me ouviu lendo em voz alta uns trechos8. Estou lendo para participar do primeiro encontro do Clube de Literatura Erótica, capitaneado por Seane Melo.
Esta edição da newsletter não foi patrocinada pelo grupo Companhia das Letras, mas bem que poderia, né? Se alguém me notar aí e quiser me mandar pelo menos a coleção do Preciado, agradeço muito! Estou doido para escrever um ensaio sobre todos dele que já saíram em português.
Como vai o romance: Na primeira carta dessa nova fase da newsletter, escrevi: “Não se planeja cartas como as que eu gosto de escrever; simplesmente se escreve.” Escrever ficção é diferente, algo que pude experimentar ao narrar minha experiência com os shows da Mc Tha. Eu não queria “escrever apenas o que der pra escrever”. Por isso a carta demorou tanto para ser enviada. E gostei.
O primeiro na vitrola: Sinto muito, de Duda Beat9.
Hoje também ouvimos: Te amo lá fora, de Duda Beat; Tara e tal*, de Duda Beat; Batidão tropical, v.2*, de Pabllo Vitar10; Dawn of Chromatica, de Lady Gaga; Live at Glastonbury 2007, de Amy Winehouse; Soul II Soul — Club Classics v.1, de vários artistas; Profana, de Gal Costa; Island Life, de Grace Jones; Infinito particular, de Marisa Monte; Love Tracks, de Gloria Gaynor (contém “I Will Survive”, que tem tudo a ver com a carta de hoje).
Recomendo: uma dieta rica em saborosos vegetais. Claro que estou falando da nova edição d’A Hortaliça! Deliciosa como sempre, nesse novo número descobrimos era Vera quem lambia os seios de Nabokov (!) e vemos em primeira mão a capa do novo romance da escritora que inspirou minha primeira tatuagem.
Seane gosta de me provocar “primeiras vezes” e agora perdi o cabaço de ouvir Jorge Drexler — até me deu FOMO tardio de não ter ido ao show dele. Ela prometeu e cumpriu: escreveu sobre como “ninguém escreve só”. Vale demais a leitura!
A edição mais recente d’o primeiro na vitrola foi sobre No tempo da intolerância, de Elza Soares, e a próxima será sobre Destino de aventureiro, de Ney Matogrosso. E, na mesma hora que os assinantes pagos receberem esta, que será a edição #6, os gratuitos receberão a #2, que foi sobre Meu esquema, de Rachel Reis.
Um abraço daqueles que duram até o fim do mundo,
Arthur Tertuliano
Sim, a própria: Diana Passy, cuja newsletter bafo tirando dúvidas sobre o mercado editorial tem salvado vidas.
Ela também tem newsletter no Substack!
Muitas vezes é o spoiler que me deixa interessado em ler ou ver algo.
“Quanto mais verdadeiros nossos amores românticos, menos nos sentimos compelidos a enfraquecer ou cortar laços com amigos para fortalecer os vínculos com nossos parceiros. A confiança é a pulsação do amor verdadeiro. E nós confiamos que a atenção que nossos parceiros dão aos amigos e vice-versa não tira nada de nós — não nos diminui.” (em Tudo sobre o amor”)
“A liberdade de gênero e sexual não pode ser de forma alguma uma distribuição mais equitativa da violência, nem uma aceitação mais pop da opressão. A liberdade é um túnel que se cava com as mãos. A liberdade é uma porta de saída.” (em Eu sou o monstro que vos fala)
O texto sobre No tempo da intolerância, de Elza Soares, foi enviado na última quinta e estará disponível para assinantes gratuitos e público geral em 08/05/2024.
Fun fact: os dois discos que eu almejava na primeiríssima carta dessa newsletter — esse e Melodrama, da Lorde — já fazem parte da nossa coleção. Espero daqui a 10 semanas poder dizer o mesmo dos dois que citei na última carta: #1, de Jaloo, e Rito de Passá, de Mc Tha.
Os discos marcados com * não foram ouvidos na vitrola. O resto foi, tudinho.