MC Tha e as voltas que o mundo dá
Em que o leitor rememora apresentações da cantora em que esteve
Oioi, bebê. Tudo bem com você?
Estou bem. E levemente obcecado.
Pouco depois de escrever-lhe semana passada, fui a mais um show de Mc Tha. E deu uma vontade danada de escrever a respeito das vezes que a vi ao vivo e dos momentos em que nossas trajetórias, feito estrelas, se alinharam — e, incidentalmente, do quanto vê-la sempre me fez bem.
Resolvi falar de 5 apresentações da cantora, mesmo número de faixas de Meu Santo É Forte, álbum composto por cinco releituras de canções com temática religiosa que integram a obra de Alcione. Achei coincidência demais — cinco, número que simboliza centro e harmonia, união e equilíbrio — e resolvi relacionar cada show a uma faixa do EP.
Vem comigo nessa?
Jaloo convida Gaby Amarantos + Mc Tha
18.05.2019
Virada Cultural - República da Diversidade
Se você reparar na data, isso já faz quase 5 anos — 5 de novo. 2019 foi um ano difícil: após a eleição do coiso, meu coração afundou em desesperança, sentimento que demorou quase um ano antes de dar sinais de melhora. Na Virada Cultural daquele ano, decidi que só teria bateria social para ver o show de Jaloo (que nunca tinha visto ao vivo) e suas participações especiais: amo Gaby Amarantos e meu coração de poeta batia mais forte ouvindo o feat com Mc Tha, “Céu Azul”.
E foi lindo esse dia. Encontrei por lá Binho — um rapaz que adoro, por quem meu coração bateu mais forte um tempinho — e assistimos juntos ao show, que rolou na Praça da República. No momento de “Chuva” (canção deliciosa, anteriormente gravada por Gaby Amarantos em Treme), as nuvens começaram a se derramar: ah, essas águas de maio.
Se enganou quem achou que seria o único efeito especial do show. Pouco depois de Mc Tha subir ao palco, assim que a palavra “céu” foi enunciada nos versos “Tudo o que eu tinha era papel de pão/ E o único blues, o pedaço de céu”, as nuvens se abriram. Quanto cantaram “Adeus, céu azul” nem parecia que chovera forte segundos antes.
E foi essa a primeira vez que vi as três artistas fazendo magia juntas. Um começo bem auspicioso. Vejo nos versos de “Agolonã” o brilho desse dia.
O tempo leva, o vento traz
Oxente! Deus é mais
Agô, Agolonã
Rito de Passá ao vivo
11.08.2019
SESC Pompéia - Comedoria
Após aquela palhinha de Thais Dayane, a vontade de ver um show inteiro dela só cresceu. Quando Allan (amigo querido, com quem fortaleci a amizade durante a pandemia) me chamou para assistir a um show dela de graça, topei na hora.
Os ingressos começaram a ser distribuídos uma hora antes da apresentação, porém não contei com a fila gigantesca que se formou bem antes. Cheguei quando começaram a distribuição, mas não foi cedo o suficiente: fiquei de fora dessa. Acompanhei o show pelos stories no Instagram e pelo YouTube1, e pude sentir a energia gostosa mesmo de longe. Próxima oportunidade, eu não perderia por nada.
“São Jorge” tem um pouco do meu sentimento ao perder esse evento e da grandiosidade que todes, pessoalmente ou online, testemunharam com Rito de Passá sendo apresentado ao vivo por Mc Tha.
Vim mostrar beleza
Mas só vi tristeza
E essa estrela acesa
Virou na noite um fogaréu
Meu Santo É Forte ao vivo
28.10.2022
SESC Bom Retiro - Teatro
A próxima oportunidade chegou — uma pandemia depois, mas chegou. Raul, um dos meus melhores amigos, me chamou e eu comprei prontamente dois ingressos, para mim e pro mozão. Até combinamos lookinho, para combinar com o vermelho da capa de Rito de Passá — sem notar que o show já era do EP lançado 3 anos depois de seu primeiro disco.
E a energia gostosa começou já no hall de entrada/café do SESC: parecia um grande encontro de bichas-Bethânia. Casais de amigos, ex-peguetes (atuais também), parceiros de balada, enfim: vi muita gente amada tomando um vinho ou comendo um doce antes do show e me senti em casa. Dentro do teatro, o protocolo na época ainda era de vender ingressos apenas para metade (ou dois terços) da capacidade da casa, o que facilitou a alta concentração de gays nas fileiras G, H e I.
Eu não estava preparado para gostar tanto. Mais que um show, Mc Tha proporcionou uma experiência religiosa, uma ida ao terreiro2: teve até a participação especial de mães de santo que a ajudaram na fé durante a pandemia3. Combinando Rito de Passá com Meu Santo É Forte no setlist, a artista condensou em sua voz toda a esperança que sentíamos na véspera da eleição que tiraria o Brasil das trevas que marcaram a última presidência. Quando ela cantou “e essa estrela acesa” deu pra ver o público inteiro pensando na mesma estrela.
Quando chegou a vez de “Despedida”, ela avisou que o show estava se encaminhando para os finalmente e pediu pra gente mentalizar do que a gente queria se despedir. Deu para sentir que muites mentalizavam o mesmo coiso4, todes muito resilientes por não terem sido derrubados por quatro anos de onda forte, como Thais canta em “Figa de Guiné”.
Voltei pra casa cantando comigo “Ainda bem que vovó saravô”, baixinho mesmo.
Onda forte não derruba (axê, axé)
Nem machuca quem tem fé (axê, axé)
Vou nas águas do meu santo (axê, axé)
Na enchente da maré
Meu Santo É Forte ao vivo
28.04.2023
SESC Santo Amaro - Teatro
Exatamente seis meses depois, também num SESC, tínhamos outro encontro marcado com Mc Tha. Confesso que no show anterior cheguei, no auge da minha insegurança, a ficar preocupado com a intensidade de AlexXx cantando “Despedida” (estaria ele mandando uma indireta para mim?), mas em abril de 2023 estávamos em outro momento da relação. Pela primeira vez convenci meu preto a viajar comigo e teríamos que sair correndo do SESC pra rodoviária.
Comprei ingresso pra nós dois e Raul, que não conseguiu ir. Chamei então Wes, outro dos meus melhores amigos, que topou de cara. O que foi perfeito: ele estava mal com o término do namoro, então na “Despedida” ele lavou a alma enquanto Thais tocava em seu coração.
A experiência religiosa foi ainda mais intensa dessa vez, parecia que a cantora ouviu nossas preces e sabia que meu amigo precisava curar essa ferida. E lhe deu tratamento VIP: ao final do momento tradicional em que ela anda pelo meio do público, Mc Tha simplesmente parou num espacinho bem do nosso lado, cantou duas ou três canções e só voltou pro palco depois de Wes trocar o pranto da despedida pelo choro de êxtase e felicidade5.
Bem que “Afreketê” avisa: a gente vai ver Mc Tha e sem querer mergulha fundo.
Afreketê, eu vim lhe ver
E sem querer mergulhei fundo
Xangô já cansou de me dizer
Que seu calor é quem faz meu mundo
Meu Santo É Forte ao vivo: uma despedida
30.03.2024
Casa Natura Musical
Quase um ano depois, fomos a mais uma apresentação dela — pela primeira vez de pé, não sentadinhos. Até encontramos amigos no rolê, mas foi programa de casal mesmo: só eu e meu preto. Foi nesse show que pensei que seria uma boa escrever sobre todas as vezes que vi Mc Tha ao vivo — e, logo depois, precisei segurar minha cabeça de escritor, que gosta de rascunhar texto futuro quando deveria estar aproveitando o momento presente.
Se o espelho em “Oceano” convida a olhar para (e mergulhar) dentro e pensar em solidão e rancores — seja de amantes ou de empregos tóxicos —, “Onda” (com a participação especial de Jaloo no palco) convidou-nos a dançar coladinho: “Amor, quero curtir/ a vibe com você,/ deitar, rolar,/ só te dar prazer.// Pois só você que tem/ o que eu quero ganhar;/ teu corpo é mar/ e, o meu, rio/ ao te encontrar.”
Enroscado em AlexXx, me peguei uma hora pensando em como fui besta de, lá atrás, achar que a intensidade dele cantando “Despedida” podia ser indireta — agora que me tornei fã, depois de dias e dias tocando Meu Santo É Forte ao fazer o primeiro café do dia, entendo a intensidade da Experiência Mc Tha. E me peguei pensando que, lá do palco, assim como ela ouviu as preces do meu amigo, ela viu o nosso amor florescer, desabrochar, crescer até ficar bem grandão.
A artista adiantou para os fãs presentes que essa era uma das despedidas do EP. Falou de projetos vindouros, um se tornando mais premente e atravessando na frente do outro, e nos deixou prontos pra saudar o que vem por aí. Todes de “Corpo Fechado”, mas coração aberto para as novas aventuras musicas de Thais.
Minha vó é show de bola
Aprendeu lá em Angola
Encontrou meu corpo aberto e fechou
Recomendo demais a experiência complementar a Meu Santo É Forte que é Clima Quente Show. Só dê play, você não vai se arrepender.
Rolê preferido da semana: o show de Jaloo na Audio, uma semana depois. Me senti no mais delicioso esquema de pirâmide: Mc Tha recomendando o show de Jaloo, Jaloo nos incitando a vê-la novamente com Gaby Amarantos no C6 Fest e Gaby Amarantos — diretamente do camarote — nos convidando a ver seu show na festa Gambiarra. As três seguem fazendo magia, seja juntas ou separadas.
Foi um show lindo, que cobriu os 3 álbuns da artista — #1, ft (pt.1) e, o mais recente, MAU. Fui com mozão e uma das minhas melhores amigas, Bárbara, vinda diretamente da França para o meu abraço. Voltei para casa em êxtase. Ficarei ligado pras próximas datas da Experiência Jaloo — 3 eras e já estou correndo atrás dos ingressos pro C6 Fest — topo tudo, até fazer cobertura diretamente do evento.
Estou assistindo: A descoberta das bruxas — terminei e gostei, acho que lerei os livros; Avatar: The Last Airbender — finalmente terminamos, bonzinho; X-Men ‘97 — continuo gostando; Queer for Fear: the History of Queer Horror — recomendação de nosso amigo Wildcat Shadow, decidimos economizar os episódios porque é bom demais; e O problema dos 3 corpos — essa eu tô vendo sozinho, pois Alex não curte muito scifi, e tô achando incrível.
Vi também: Priscilla — terminei de assistir e gostei; Kung Fu Panda 4 — fomos com um casal de amigos no cinema e foi super gostosinho; e Duna — estava vendo parceladinho, mas essa semana consegui assistir 1h30 de uma vez!
Lendo: Eu sou o monstro que vos fala: Relatório para um academia de psicanalistas, de Paul B. Preciado (tradução de Carla Rodrigues); Coelho maldito, de Bora Chung (tradução de Hyo Jeong Sung); Elke: Mulher Maravilha, de Chico Felitti; O segredo da força sobre-humana, de Alison Bechdel (tradução de Carol Bensimon).
Disclaimer: decidi que os links desta seção vão redirecionar para comprar em livrarias de que gosto, pois fuck Amazon! O livro de Chico Felitti e o de Alison Bechdel estão disponíveis (e com desconto!) na Itiban Comic Shop, tradicional loja de quadrinhos, arte e literatura em Curitiba.
Como vai o romance: ainda não retomei a escrita, mas já decidi que o começo (escrito em 2020) não me representa mais. Vou recomeçar do zero, portanto. Ler Virginia Woolf, traduzida por minha amiga pessoal Emanuela Siqueira, me ajudou a lembrar de coisas que quero fazer nesse livro. Isso é tudo, no momento.6
O primeiro na vitrola: Infinito particular, de Marisa Monte.
Hoje também ouvimos: All Systems Go, de Donna Summer; Smile, de Katy Perry; Renaissance, de Beyoncé; SOUR, de Olivia Rodrigo; Alumbramento, de Djavan; Padrim, de FBC; Mais, de Marisa Monte; Good Kid M.A.A.D City, de Kendrick Lamar; #1*, de Jaloo; ft (pt.1)*, de Jaloo; MAU|Quero te ver gozar (Remix)*, de Jaloo; MAU*, de Jaloo; Meu Santo É Forte*, de Mc Tha7; Born This Way, de Lady Gaga; Mahmundi, de Mahmundi; Vício Inerente, de Marina Sena; Te amo lá fora, de Duda Beat; Chromatica, de Lady Gaga; Dawn of Chromatica, de Lady Gaga; Caymmi e seu violão, de Dorival Caymmi; Cats Without Claws, de Donna Summer; Seu tipo, de Ney Matogrosso; Swet Away, de Diana Ross; The Wanderer, de Donna Summer; e Dolores Dala Guardião do Alívio, de Rico Dalasam.
Ufa. Demorei tanto para terminar esta carta que precisei ser sincero e listar todos os discos que tocamos desde sexta, desde o primeiro na vitrola!
Recomendo: Quase não li essa semana, então vou só recomendar um texto mais antigo, meu mesmo, sobre Marina Sena e Mariana Enriquez: “Idolatria”. Nele, algumas digressões sobre essa transa gostosa, essa troca de energia entre público e artista num concerto.
A edição mais recente d’o primeiro na vitrola foi sobre Chromatica, de Lady Gaga, e a próxima será sobre No Tempo da Intolerância, de Elza Soares. E, na mesma hora que os assinantes pagos receberem esta, que será a edição #5, os gratuitos receberão a #1, que foi sobre SOUR, de Olivia Rodrigo.
Um cheiro no cangote,
Arthur Tertuliano
Muitas pessoas disponibilizaram suas gravações nessa plataforma. Gostei dessa playlist aqui, em especial: Mc Tha Sesc 11.08.2019 - YouTube.
Não à toa, AlexXx (meu amor) percebeu que já conhecia muitos pontos de umbanda quando foi fotografar uma festa no terreiro de minha cunhada, justamente por acompanhar de pertinho a carreira de Mc Tha.
Minha experiência com religiões de matriz africana ainda é pequena, podem me corrigir se falei alguma besteira.
Sou famoso por entender errado as letras das músicas (TDAH? audição prejudicada?) e durante os versos “E bota a culpa no signo/ Tudo por culpa do signo/ Ai, ai, ai esse signo/ Ai meu Deus esse signo”, aproveitei pra mentalizar o idiota que poderia tanto ter ajudado o Brasil a não eleger o demônio em 2018 quanto poderia ter facilitado a vitória de Lula ainda no primeiro turno em 2022: “E bota a culpa no Ciro (Gomes)/ Tudo por culpa do Ciro/ Ai, ai, ai esse Ciro/ Ai meu Deus esse Ciro”.
Tinha prometido fazer isso em nota de rodapé, mas resolvi criar essa seção mais amostrada. Gostou assim?
Os discos marcados com * não foram ouvidos na vitrola. O resto foi, tudinho.