Um beijo pras travesti
Em que o leitor pensa sobre o último Natal e os livros que abriram e fecharam 2023
Oi! Como você está?
Enquanto decidia se levo ou não algum livro comigo na próxima viagem, percebi que era uma digressão vazia: eu nunca saio sem algo para ler. Se quando visito os sogros levo um, imagina ao visitar os meus pais, em cuja casa vou passar bem mais que uma noite?
Desde que eu e Alex passamos a morar juntos, tenho visitado menos os pais dele, mas não me esquivo das grandes comemorações. Natal, por exemplo: para quem só começou a comemorar a data em 2015 (quando mudei para SP), já virou tradição ir pra Jundiaí festejar com a família Cruz — antes da pandemia foi a família de Vanessa Barbara, uma de minhas escritoras favoritas, que me recebeu de braços abertos.
Ano retrasado levei A palavra que resta, de Stênio Gardel. Li poucas páginas, mas foi lá que comecei aquela que seria a primeira leitura de 2023. Ano passado terminei Um homem só, de Christopher Isherwood (tradução de Débora Landsberg), ainda no carro a caminho da casa da cunhada e ao chegar comecei a ler O parque das irmãs magníficas, de Camila Sosa Villada (tradução de Joca Reiners Terron), que findou sendo a última leitura do ano.
O primeiro e o último de 2023 não têm muito em comum para além de (1) eu ter gostado bastante de ambos, (2) terem sido indicações de pessoas queridas e (3) apresentarem personagens travestis importantes para a história. As duas obras não se esquivam da violência normalizada na nossa sociedade contra corpos travestis, mas não se limitam à violência: há beleza, poesia e ternura na narrativas dessas personagens. Talvez um dia eu escreva um ensaio aproximando os dois livros, mas isso fica para outro dia, após mais um empréstimo na biblioteca.
O que mais pegou no último Natal, e é sobre isso que quis escrever, foi uma playlist aleatória que Alex pôs pra tocar. Durante a ceia, pediram música e ele atendeu. Em determinado momento, tocou Um beijo, de MC Xuxú:
Um beijo pra quem é DJ
Um beijo pra quem é MC
Um beijo pra quem é do bem
Um beijo pras travesti
Tocou também Linn da Quebrada e Jup do Bairro. E o jantar seguiu normalmente, foi gostoso.
Antes de comemorar o Natal, ouvi muito sermões sobre como a festa — de origem pagã — afastava o homem de permitir que Jesus nascesse e habitasse em seu coração todos os dias. Juntar a família nesse dia não é como num comercial da coca-cola: são horas de constrangimento e atuação (muitas pessoas LGBTQIA+ precisam se conter muito para escaparem do enxerimento dos parentes), finalizadas com uma boa dose discussões que não vão a lugar algum — isso eu vi em filmes e li no Twitter. Voltando aos sermões, a celebração só escancara o quanto Deus faz falta na vida das pessoas.
Não foi isso o que senti em nenhum dos Natais em que estive presente. Toda vez que vejo a família Cruz reunida ao redor de uma mesa sinto o amor que há entre eles e transborda. Seja tocando Mariah Carey, seja tocando MC Xuxú. Tanto no Natal quanto na formatura de dança do ventre de minha cunhada. E fico feliz de fazer parte, sabe?
Ainda não sou uma pessoa muito natalina, mas este ano queremos ter nossa própria árvore — nada mais justo que um pinheiro numa casa em Pinheiros. Ela vai ficar linda, eu sei.
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Rolê preferido da semana: ver Pobres criaturas no cinema com mozão. Hoje, mais tarde, vamos tentar conseguir ingresso de última hora para mais um show da MC Tha no Sesc, e depois vou para o Noitão do Belas Artes (abraçando uma garrafa de energético) assistir novamente a Pobres criaturas, O lagosta e mais um filme surpresa de Yorgos Lanthimos.
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Estou assistindo: True Blood (continuo vendo, mas sem maratonar) e A morte e outros mistérios (voltamos a ter uma série de mistério para acompanhar às terças, mas ainda sentimos saudades de Only Murders In The Building).
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Li: Como falar dos livros que não lemos, de Pierre Bayard (tradução de Rejane Janowitzer); café da manhã com arranha-céus, de Daniele Rosa; Silvestre, de Wagner Willian; e A loteria, de Miles Hyman e Shirley Jackson (tradução de Ana Cunha Vestergaard).
Abandonei: Trinta segundos sem pensar no medo, de Pedro Pacífico.
Lendo: Três, de Valérie Perrin (tradução de Julia Sobral Campos); Dead until dark, de Charlaine Harris.
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O primeiro de hoje na vitrola: Meu esquema, de Rachel Reis.
Hoje também ouvimos: Saudade de você e T3 4M0 L4 F0R4 RMX, de Duda Beat; Meu santo é forte, de MC Tha; Motel, de Banda Uó.
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Recomendo: as cartas de Seane sempre me deixam à vontade e fico querendo escrever mais e mais. Após as duas últimas fiquei um tempão pensando e quase troquei o título da minha newsletter para “Notas de rodapé à Seane”, mas me segurei. Leiam!
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Vou tentar manter a sexta como o dia de envio das cartas, porém temos um carnaval no meio do caminho. Estarei em Recife e Natal nas próximas duas semanas, então tentarei ser menos millenial e escrever no celular mesmo (não levarei o computador comigo).
Um beijo do seu amigo,
Arthur Tertuliano